O desafio de te tirar do pedestal
- Laís Conter
- 26 de jul. de 2024
- 3 min de leitura

Eu amo lembrar da gente. Lembrar de você.
Na minha memória só ficaram as coisas boas que passamos juntos. Lembro das tardes, dos cafés, da gente na cama, dos presentes, dos planos, das conversas sempre profundas e cheias de promessas. Do quão bem você falava e se expressava. Eu fiquei hipnotizada. Lembro da sua boca, do seu cabelo bagunçado, da cara de tímido quando eu elogiava, do seu sorriso, da estante de livros, da sua risada extravagante e do vento quente que entrava pela janela, tanto que se fez necessário um ventilador.
Por muito tempo, te coloquei num lugar de quase divindade. De um deus.
Você sempre esteve num pedestal. Intocável.
E ai de quem proferisse alguma palavra negativa a seu respeito. Prontamente eu saía em sua defesa. Te defendi até não poder mais.
E me culpei.
Porque você, uma pessoa tão perfeita, não teria me abandonado ou feito o que fez comigo de graça, sem motivo. A culpa só podia ser minha. Do meu jeito. Da minha insegurança. Da minha entrega. Da minha intensidade. Eu devo ter te assustado. Só pode. Porque o cara tão perfeito que mora na minha memória não faria tudo isso comigo por nada. Não faria tudo o que fez por ego, por narcisismo, por luxo, por diversão. Imagina!
Mas daí eu fui aprendendo a ver os motivos de te colocar num lugar tão alto e inalcançável.
Te deixando nesse lugar, eu conseguia justificar pra mim mesma todo o esforço e toda a atenção que dediquei pra você. Porque eu tinha que ser a melhor. Eu precisava ser perfeita. Eu tinha que provar que merecia estar do teu lado.
Te colocando nessa posição, eu percebi que eu nunca seria suficiente. E quando você me deixou, eu tive certeza.
Mas, no fundo, eu esperava que toda a minha dedicação fosse recompensada. Pensava que conseguiria subir contigo no pedestal, pra gente ser foda junto. Casalzão.
Eu criei uma pessoa e uma relação perfeita que só existia na minha cabeça.
E sim, saí frustrada, saí diminuída, saí me achando insuficiente, saí tendo certeza de que tinha perdido a pessoa mais incrível que passou pela minha vida e de que talvez jamais tivesse essa mesma sorte de novo.
Até que surgiram outras pessoas para dividir o pedestal com você.
Pessoas incríveis, que me tratavam muito bem e que pareciam sempre muito promissoras. E eu logo canonizava cada uma delas. “Perfeitas. Zero defeitos. Pre- ciso me esforçar muito pra continuar do lado delas.”
Mas essas pessoas foram mais honestas e aos poucos consegui conhecê-las mais a fundo a ponto de tirá-las desse lugar tão alto e inalcançável.
Elas viraram humanas. Ufa!
Mas sempre que eu olhava pra cima, você ainda estava lá.
Por que era tão difícil te tirar desse lugar?
As idealizações ainda estavam muito vivas dentro de mim, porque você era um desconhecido pra mim. E nossa relação não se aprofundou a ponto de eu ter a chance de te tirar desse lugar. Não tive a chance de viver o que queria ter vivido. Não tive a chance de te conhecer de verdade e ver todos os teus defeitos e contradições. Não tivemos chance de ter nossa primeira briga, conversar e depois fazer as pazes na cama.
Te humanizar foi e tem sido uma das coisas mais difíceis e mais importantes que eu venho fazendo. Entender que na verdade você não foi tão perfeito e legal assim e que nem toda culpa era só minha.
E eu sei que você ainda tá no pedestal, porque eu também estou e agora consigo te ver de frente. De verdade.
Mas não pense que tem cadeira cativa aí. Seus dias estão contados.
Meu objetivo é conseguir ocupar o seu pedestal, te expulsar dele e jogar uma bomba que destrua tudo o que for alto o suficiente para virar altar. E a partir daí fazer um terreno plano, sem desníveis, onde seja bem mais simples construir coisas e relações.
Não quero precisar calcular degraus, não quero subir escadas para alcançar ninguém.
Quero simplicidade, transparência, honestidade, olho no olho.
E, a partir daí, construir futuros e criar planos reais a quatro mãos.
Eu também não quero estar nesse lugar tão alto. O pedestal é solitário. Só cabe uma pessoa por vez, e não quero que alguém se diminua pra caber ali comigo e nem me diminuir pra isso.
Quero transbordar.
Quero poder ser eu mesma. Quero que alguém abrace tudo o que sou e que me permita fazer o mesmo.
Se não for assim, seguirei sozinha, ocupando todos os espaços que sempre desejei e conquistando meus sonhos.
Duas mãos também conseguem construir muitas coisas.
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